sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

O que Kelly Slater tem a ver comigo

“As brigas que ganhei, nem um troféu, como lembrança, pra casa eu levei.
As brigas que perdi, estas sim, eu nunca esqueci, eu nunca esqueci”
(Pato Fu)

Sempre tive muitos amigos praticantes de surf, mas eu nunca subi numa prancha. Nos campeonatos que assisti, lembro apenas das músicas, como “Bed in Burn”, do Midnight Oil, adrenalina pura. Fã ou não, impossível ignorar o charme deste esporte, que desfila talento, ousadia e corpos esculpidos pelo mar e coloridos pelo sol. E quando se fala em surf, o incrível Kelly Slater surge no topo. Difícil imaginar que um cara lindo, popular, rico e ágil como um peixe pode ter sofrido bulling na infância. Li que sofreu. Teve que conviver com piadas com seu nome, Kelly, feminino, e com o trocadilho de seu sobrenome, “Is later”, "atrasado".
A Psicologia comprova e Freud explica: muitos dos nossos problemas está na infância. Quando eu era menina, lembro-me de que me chamavam de lenta. Agilidade nunca foi meu forte. Se eu caía, demorava para levantar. Se eu subia numa árvore, não conseguia descer. Se alguém me batia, não sabia revidar. Por me achar inadequada, nunca consegui correr direito – nas aulas de educação física, quando a turma tinha que correr em círculos, eu sempre ficava por último e desistia. Que meu filho não me ouça (ou melhor, não me leia), mas forjava atestado médico para não ir às aulas. Também nunca joguei vôlei, que era moda nos anos 80. Em qualquer rodinha, na praia ou na rua, essa era a atividade preferida e eu, a única que tinha medo da bola.
Meu medo era de errar, na verdade. Nem tentava para não passar vexame. Eu já me adiantava no julgamento, minha mente dava conta do filme todo e eu encontrava um jeito de sair fora. Não que eu não quisesse. Na verdade, não me achava capaz.
Nas primeiras quase duas décadas de vida, essa foi minha realidade. As pessoas me chamavam não só de lenta, como de adjetivos como delicada, flor de estufa, manteiga derretida, meiga. Cresci me achando um ser frágil como uma bolha de sabão. Meus pais e avós também não me deixavam brincar como as crianças da rua, nem com elas. Então filha única, vivia confinada no quintal (ah, se existisse Backyardigans neste tempo...) e limitada à soleira do portão.
Nas quase duas seguintes, me vi ao lado de pessoas ásperas, brutas, agressivas, vividas, tendo que dar conta de vários desafios, e sozinha. Assumi, não sei se por condicionamento ou não, comportamentos contrários aos da infância e adolescência. Incorporei o inverso: era muito rápida, até demais; rígida, ríspida, dura, para dar conta de demandas reais e imaginárias, externas e internas.
Perto dos 40 anos, meu desafio foi me voltar para dentro. Quando olhei para mim com mais atenção, não vi apenas algumas rugas e cabelos brancos. Vi alguém perdido, desligado da sua essência. Teria que me religar. E, quem sabe, finalmente, correr uma maratona ou jogar vôlei na praia.

2 comentários:

  1. Tudo é relativo, certo?!?!? Essas atitudes quando crianças, podem reverter-se ou não em "traumas" na vida adulta.
    É comum na infância sofrermos com esses tipos de brincadeiras. Piadas envolvendo nossos nomes, situações por nós vividas, características físicas etc, etc, etc. Mas quando isto se torna uma agressão, há o risco de que essas brincadeiras de mau gosto, deixem marcas por um bom tempo da idade adulta.
    Legal, Nádia, que estas voltando a si própria. Parar e se ver/reconhecer/enxergar é fundamental e não importa com quantos anos: é o auto conhecimento. É preciso esta pausa para cuidar de si, de sua vida.
    Mudar de ares é preciso, não para provar a terceiros que se pode demais ou de menos. Que seja, sim, uma mudança, mas por vontade própria, por necessidade. Se vais jogar vôlei ou não, o que vejo de importante é o próprio ato de escrever tudo o que se passou e passa com você. Isso me faz pensar que estás perto da total compreensão dessa "doença" e ainda a chegada a uma possível superação.


    Beijo, Nádia.

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