quarta-feira, 10 de agosto de 2016

Para leitores apressados

Adoro contos. Quanto mais curtos, melhor. E para quem, como eu, aprecia narrativas breves, uma boa dica é o livro de Edson Rossatto, "Cem Toques Cravados".
São cem nanocontos com exatos cem toques, como promete o título. Em três linhas, nos fazem rir, pensar, lamentar, amar. A proposta é muito interessante.
Meu exemplar, mais antigo, foi publicado pela editora Andross, em 2010. A segunda edição vem ampliada, com 500 contos, pela Europa Editora.
Uma leitura leve, muitas vezes profunda, ideal para qualquer lugar, a qualquer tempo - no elevador, ônibus, metrô, banco de praça, numa pausa de almoço... - e perfeita para quem tem pressa.
Formado em Letras, Rossatto atua como escritor, editor de livros e roteirista de HQ.

segunda-feira, 8 de agosto de 2016

Chimamanda Adichie

Conheci Chimamanda Ngozi Adichie pelo Youtube, falando sobre os perigos de uma história única. E aquela imagem linda da mulher monumental, segura, negra, me marcou bastante porque, como branca brasileira, cresci tentando me livrar de preconceitos raciais e sexistas numa nação que se diz isenta deles por ser multirracial, mas principalmente do preconceito econômico, que define as pessoas pelo que elas tem. Meu pai era mecânico; minha mãe, dona-de-casa. Era filha única de uma família que sofria todas as dificuldades da falta de dinheiro. Meu passatempo, ler os livros empoeirados da estante da minha avó e escrever, que não custava nada, além de fantasiar vidas diferentes com minhas bonecas.
Ouvindo a voz grave e aconchegante de Chimamanda, ouvindo-a dizer que foi uma leitora precoce, dos personagens brancos de olhos azuis que viviam na neve dos romances que ela lia, tão diferentes da sua raça e da realidade de seu país, a Nigéria, percebi o quanto tínhamos em comum. Meus heróis, homens quase todos, ostentavam a liberdade que não havia para mim, concentravam um poder mágico que nunca me fora dado. Aceitava as palavras porque intuía que elas seriam minha redenção, a única saída para os limites claustrofóbicos da minha herança familiar em que ninguém, até então, cursara uma faculdade. Família de mulheres subjugadas, cujos sonhos tinham sido destruídos pelos rígidos papeis sociais, papeis que colocavam as mulheres na cozinha, emparedava-as dentro da prisão que se chamava lar. Mulheres que comentavam: "Na outra encarnação, quero nascer homem". E de homens sobrecarregados, exauridos, condenados a subir e descer montanhas carregando pesos nas costas como eternos Sísifos. Não havia espaço para sinergia e união, homens e mulheres divididos.
A história única de pessoas cativas a seus papeis sociais me revoltava. Tentei fazer diferente, tento um olhar diferente para meus três filhos, refazer essa história, mas quase sempre caio na vala da repetição de padrões. Por que homem não lava louça? Por que não posso me sentir sensual sem parecer errada? Por que, sempre que alguém me elogia, tenho que baixar os olhos? Por que uma mulher sozinha não pode ir a certos lugares? Por que é tão raro um homem adotar o sobrenome da esposa, trocar fralda de bebê e chorar quando está triste? E a maior de todas as perguntas: por que meu pai queria tanto que eu nascesse homem?
Foi neste espírito inquiridor que li um livro curtinho, de pouco mais de cinquenta páginas, publicado pela Companhia das Letras, intitulado "Sejamos todos feministas". De Chimamanda. Trata-se de um um discurso (pode ser visto no Youtube, como palestra no TED), ensaio simples até, para quem leu a densa Simone de Beavouir e outras escritoras filosóficas que abordam o tema, mas muito útil para discutirmos a questão de gênero, partindo de reflexões rotineiras num tom autobiográfico da autora de "Hibisco Roxo" (que comprei e espero ler em breve).
"Gênero e classe são coisas diferentes. Um homem pobre pode ainda ter os privilégios de ser homem, mesmo não tendo o privilégio da riqueza", cita a autora. Mais adiante, pondera: "A cultura não faz as pessoas. As pessoas fazem a cultura". Questões assim, elementares, devem ser debatidas por seres humanos. Aceitarmos as histórias únicas nunca nos fará felizes. Elas estão em nós.
Não pretendi ser rica para compensar as limitações da infância, mas sempre persegui a igualdade entre os sexos, a justiça e o respeito. Subindo e descendo montanhas com meus pesos, como meu pai interior. Lamentando essa sensação de incompletude, como minhas ancestrais. Sinto alento nas palavras de Chimamanda.
Espero, um dia, me libertar da obsessão de ter de ser o menino que não fui para a mágica acontecer, de ter de lutar contra essa feminilidade tão estigmatizada, banir as vozes do ninguém que ditam o que devo ser e fazer. Espero que meus filhos vivam com leveza e alegria, como creio que todas as pessoas devem ser. Por isso, escrevo. Por isso, leio. Por isso, penso. Num esforço contínuo de superação rumo à minha verdadeira essência.