terça-feira, 29 de março de 2011

Notícias vãs

"Tudo bem... Até pode ser. Que os dragões sejam moinhos de vento
Muito prazer... Ao seu dispor
Se for por amor às causas perdidas"
("Dom Quixote", Engenheiros do Hawaii)


O tempo pára. Respiro. Avanço. E entorpeço com aquela sensação de inundação que me invade antes do choro compulsivo. Mas não choro, pois estou vazia.
O tempo voa. E me arrasta com a força de um vendaval de pensamentos, fazendo-me chocar contra a brutalidade da consciência, que pesa e cobra uma posição, uma ação.
Na boca e no estômago, sinto a sensação amarga da impossibilidade de dar realidade a um ideal.
Leio os jornais. Notícias banais. Comentários irreais. Não creio que a vida seja tão sem significado para tanta gente.
Em que mundo eu vivo? Olho ao redor e há tanta mediocridade que me faz querer voltar para o útero da minha mãe, levando meus filhos, claro.
Que fruto darei? Qual a minha bandeira?
Respiro.
Lamento.
E não sei o que fazer.
Queria ser Dom Quixote.
(Volto a escrever)

segunda-feira, 7 de março de 2011

Bendita la luz de tu mirada

"Faz um tempo eu quis, fazer uma canção
Pra você viver mais"
(Pato Fu)

Esta música, "Canção pra você viver mais", fala sobre o sentimento de uma filha sobre seu pai e me diz muito. Sempre choro, não tem jeito, é inevitável, no carro, numa sala de espera, aqui no micro. Ocorre que hoje quero escrever sobre o amor em família, mas não aquele amor do fruto do ventre, o amor a quem concebemos ou nos concebe. Quero falar do amor que chega e transforma tudo, que nos encanta e surge de onde menos esperamos.
Trabalho num hospital, mas na área de comunicação. E eis que no Natal do ano passado tive que acompanhar o Papai Noel até a UTI Neonatal, onde me deparei com uma garotinha de bracinhos abertos e o sorriso mais lindo que eu já vi em toda a minha vida. Essa pequena - da idade do meu filho mais novo, nasceu um mês depois dele, hoje estão com um ano e meio - mudou minha vida. Passei minhas férias indo três vezes por semana ao abrigo onde ela está, depois de visitá-la no hospital até sua alta, quase todos os dias, no horário de almoço.
Ela é uma luz, o verdadeiro Sol. Nasceu com um problema muito grave de saúde e está sob a tutela da Justiça, aguardando adoção. Não anda, não senta, não come pela boca, mas por uma gastrostomia. Seu corpinho frágil revela várias cirurgias, cicatrizes da sua sobrevivência. É uma fênix.
Em quatro meses de convivência, assumi o compromisso de ser voluntária, ajudando a dar apoio a crianças abandonadas; penso em criar uma atividade ligada ao jornalismo para os adolescentes na mesma situação; hoje lidero um grupo de humanização onde trabalho. Não importa se o dia está cheio, se estou cansada, se estou sem tempo: dou um jeito e sempre a vejo. Cada vez que olho para ela e ela sorri, meu coração transborda de paz. O tempo pára. Não há pressa; aliás, costumo dar meu relógio para ela brincar. Desde então, quando estou com meus filhos, me concentro neles, aproveitando cada momento, como agora, meu filho do meio, de 4 anos, cantando: "Bendita la luz, bendita la luz de tu mirada", do grupo Maná (a canção se chama "Bendita Tu Luz"). Agradeço a Deus a bendita luz do olhar da minha menina.
Não ando escrevendo aqui porque a Síndrome da Pressa me parece um grão de areia de tão insignificante. Quando olho meu anjinho, por quem estou completamente apaixonada, enfrentar tantos problemas graves de saúde sorrindo, o tempo congela e nada mais importa a não ser o momento que passamos juntas.
Este é o amor incondicional, que brota do vazio. Uma receita para ser feliz. Estamos juntas, mesmo que minha condição atual não permita que a pegue no colo e a leve para casa, como adoraria fazer. Estamos juntas, mesmo sabendo que Papai do Céu poderá, um dia, chamá-la para se tornar uma estrela. Estamos juntas, mesmo que subordinadas a um sistema, à burocracia, a avaliações de estranhos, a autorizações oficiais. Estamos juntas, mesmo em casas separadas. E isso nada e ninguém poderá mudar. Meu tempo é agora. Nosso tempo é o presente e este é o meu maior presente: ter a dádiva de tê-la em minha vida.
Sem saber, essa garotinha me fez voltar ao meu verdadeiro caminho, como um farol de milha. Literalmente mudou minha vida e hoje penso em lutar para que as pessoas se sensibilizem com crianças portadoras de necessidades especiais que estão para adoção nos abrigos, aguardando uma chance de brilhar para uma pessoa, para uma família, para o mundo. Tomando conhecimento deste universo, que envolve a adoção tardia e o amor verdadeiro, sinto vontade de gritar a plenos pulmões que o amor é tudo e não tem rosto, um perfil. A perfeição é imperfeita. Ser diferente é ser normal. Tantas lições aprendo com as histórias daquelas crianças tão pequenas e tão heróicas, que enfrentam a falta de amor, o abandono, doenças graves, o preconceito da sociedade e tantos outros problemas. Elas não exigem nada, apenas oferecem inocência, alegria, transformação.