sábado, 14 de janeiro de 2012

Mente, essa criança agitada

"Olha aí, monsieur Binot

Aprendi tudo o que você me ensinou
Respirar bem fundo e devagar
Que a energia está no ar"

("Monsieur Binot", Joyce)
 
Acendi três incensos, acho que empolgada com esse vento quente (noroeste) que eu adoro. Encarei a louça cheia na pia e resolvi por em prática a autoconsciência, que é a síntese do livro que estou lendo, chamado "Desacelere!". O título já dá uma dica que, claro, é para me deixar mais calminha. Ah, e estou de férias. Duas semanas, uma correria que não diminui por conta das demandas do lar, que não são poucas com três filhos.
Respirei fundo, ensaboei a esponja com um detergente novo, de algas, e procurei focar no universo daquela experiência. Procurei senti-la, com os cinco sentidos. Parece fácil. Definitivamente não é. Cada vez que eu mergulhava na água que jorrava da torneira, sentindo a espuma nas mãos e a superfície lisa dos pratos e copos, ou o telefone tocava, ou meu filho chorava, o outro brigava, enfim. Saía e voltava repetidas vezes e, claro, explodia de raiva. Nem se eu fosse uma monja (?) tibetana eu conseguiria manter a paz. Aliás, religiosas não têm filhos, hellooooo....
Lavei a louça, com a autoconsciência colocada perto da lixeira, e a contragosto sentei para escrever, antevendo a próxima briga entre as crianças e o próximo tocar de telefone. Pensei que a vida é uma experiência rica se você conseguir focar no presente. Nada mais existe além do presente, todo mundo sabe disso - o futuro é uma abstração e o passado já foi - é a mesma ladainha. Mas colocar isso em prática exige não apenas uma disciplina treinada para isso (e horário para fazer meditação?) como uma vida diferente, sem tantas obrigações, num ritmo simples, tipo uma casinha no campo. Na cidade, na velocidade atroz do mundo cibernético, no compasso das múltiplas obrigações, só nos resta viver da pior forma: longe.
Na semana passada assisti ao filme "Dançando no Escuro", com a Björn no papel principal. Ela faz uma moça simples, deficiente visual, que foge da realidade fantasiando musicais. Na fábrica onde trabalha, os sons das máquinas dão o timbre certo para as coreografias, é incrível. Ela, ao mesmo tempo, está perto demais do presente, prestando atenção nas nuances dos sons que passavam batido por ouvidos distraídos, e tão longe, imaginando o que não existe a ponto de se machucar num acidente de trabalho.
Penso que muitos dos nossos problemas têm raiz na inconsciência: do parcelamento das compras no cartão de crédito que nos endivida ao enfarto provocado pela falta de cuidado com a saúde. No livro, o autor diz algo interessante: do corpo, só prestamos atenção do pescoço para cima; no restante, só quando necessitamos atender necessidades básicas.
Estou de férias, sim, mas minha cabeça já está na volta ao trabalho, em quem está cuidando do que eu cuido, em com quem ficarão as crianças, em como vou pagar minhas faturas. E aí penso que a nossa mente parece uma criança pequena, hiperativa e indisciplinada. Cada vez que tento estar no presente, ela foge e preciso pegá-la pelo braço e colocá-la no lugar. Ela não pára! No livro diz que temos que ser amorosos com ela, conduzi-la pela mão cada vez que ela sair correndo, acalmá-la cada vez que fantasiar um medo, afagá-la nessa volta à realidade. A conexão é respirar fundo, como diz a tranquila Joyce na canção.
Bem, estou tentando. Aos tropeços, sim. Mas estou tentando.
(PS: Não ligue para eventuais erros. Não revisei o texto, OK?)