segunda-feira, 1 de março de 2010

Seja ridículo

"Eu vi... pois é, eu reparei. Você me tirou todo o ar, pra que eu pudesse respirar. Eu sei que ninguém percebeu. Foi só você e eu" (Cupido, por Maria Rita)


Faz tempo que não sinto aquela sensação de parar no tempo. Incrível como acontece à nossa revelia, os sentimentos nos carregam como o quebrar de uma onda gigante, nos arrastam como vento em fúria e não temos foco para mais nada. Tudo ao redor some e só o que importa é aquele momento - mágico, eterno, intenso.
A paixão costuma ser assim. Não apenas por aquela pessoa atraente, cuja força do olhar nos encanta com um poder avassalador. Ela nos faz refém quando estamos absortos num trabalho envolvente, numa dança, numa ideia criativa (os tais insights, ou em plena brainstorming, literalmente tempestade cerebral, que digam os publicitários) ou diante de numa cena cativante, o que me lembra aquele trecho da canção "O Leãozinho", do Caetano: "E um filhote de leão, raio da manhã, arrastando o meu olhar como um ímã". Pode ser paixão por um bebê lindo, que sorri em nosso colo e nos faz derreter, começar a balbuciar um "bebenês" e parecer ridículos.
Sim, ridículo é a palavra exata. Apaixonados, somos completamente sem noção e isso me parece fundamental para viver a vida com mais alegria, botar cor no que está cinzento, sabor no que está sem gosto, dar leveza ao cotidiano. As regras sociais, de comportamento, obrigações da boa educação, rígidos padrões, nos forçam a prestar atenção a tudo, responder quando chamados, sempre alertas, como os escoteiros, sempre formais. Tudo certinho, dentro do previsto, programado.
A espontaneidade nos vem sendo podada desde a infância e não nos damos conta. Aí, do nada, certo dia nos flagramos flertando descaradamente com alguém, aquela força interior emergindo e, no olho do furacão, encontramos a paz. De vez em quando, numa aula tediosa ou na poltrona do ônibus, reparamos o mundo de uma janela e dá vontade de estar lá, entre as crianças que correm na chuva.
Bem-vindo à vida! Permita-se esquecer o relógio em casa, cabular um dia de trabalho, paquerar alguém, brincar com uma criança no parque. Ser assim, completamente ridículo e feliz. Porque ninguém vai reparar, e se reparar, você não vai perceber porque não estará nem aí para o que os outros pensam, para o que a moral e os bons costumes pregam, para o que o mundo dita, para o que diz a meteorologia.
Se conseguir ser ridículo mais vezes, vai acabar se tranformando. A metamorfose mudará o eixo do teu ser, do cérebro para o coração, que baterá mais rápido. A respiração ficará mais profunda, oxigenando melhor as células. Um sentimento de bem-estar dará o acabamento final: um rosto radiante, bochechas ruborizadas, olhos brilhantes. E se alguém disser que você anda nas nuvens ou no mundo da Lua, apenas sorria. Um sorriso largo, verdadeiro e contagiante.

2 comentários:

  1. É isso. Quantas coisas deixamos de curtir ou fazer pelo medo do senso do ridículo. Abordei o mesmo tema numa postagem em outubro, mas sob outro ângulo: o medo do ridiculo impedindo que relizemos algo (o titulo é "Scorn").
    Beijos!
    Ka

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  2. Vou ler. O medo do ridículo nos faz ficar calados quando devemos falar, e vai por aí. É que existe um crítico implacável dentro de nós (nem todos), o eco de uma voz que nos amedronta e paralisa. Romper com este crítico interno, mandar às favas memórias de padrões cristalizados (pelo menos, os conscientes), nos faz mais livres e felizes.

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