“Mesmo quando tudo pede um pouco mais de calma, até quando o corpo pede um pouco mais de alma, a vida não pára...
Enquanto o tempo acelera e pede pressa, eu me recuso, faço hora, vou na valsa. A vida é tão rara...” (Lenine)
Certa vez, foi visitar um primo, que considero irmão. Ele não estava, mas passei um tempo com sua esposa e seu filho pequeno. Tinha levado meu bebê de meses e, no caminho, como sempre, dirigia enquanto planejava o que faria, por quanto tempo e o que diria para sair cedo. Cheguei. Abraços. Fomos à cozinha com os meninos, conversamos, tomamos café, eles dormiram e conversamos mais. Olhei no relógio e vi que estava no limite que eu estabelecera para voltar. Um minuto perdido faria ruir meu planejamento.
Minha prima queria que eu ficasse mais, mas disse que não podia. Mentalmente, calculei o tempo que levaria para pegar meu filho mais velho na casa do pai dele e cruzar toda a cidade até chegar em casa, fazer o jantar, etc. Nem bem meu bebê acordou, já saí correndo, coloquei tudo na sacola, nos despedimos e eu, sem prestar nenhuma atenção, cumpri o ato mecânico de colocar bolsa e sacola no banco da frente, abrir a porta de trás, ajeitá-lo na cadeirinha, prender o fecho e... bater a porta. Quando, ainda sorridente e acenando, me aproximei do banco do motorista constatei que a chave do carro ficou do lado de dentro, dentro da bolsa.
Foi como se o mundo ruísse aos meus pés, fiquei sem ar. Só consegui balbuciar o ocorrido à minha prima, sentindo o sangue gelar. Fiquei estática, incrédula e só saí do meu transe com a pequena multidão que se formava. Na semana anterior, um pai tinha esquecido seu filho pequeno dentro do carro por horas, num estacionamento, e a criança morrera. Eu via meu filho sorrindo, os olhinhos de sono, as gotas de suor caindo sobre seu rosto, um calor imenso do lado de fora e todos os vidros trancados por dentro. Uns diziam para chamar o chaveiro, outros tentavam buscar chaves de carros iguais, mas um desconhecido mandou buscar um martelo, o que eu concordei, e quebrou o vidro, abrindo a porta. Ainda saí logo, mesmo trêmula, porque tinha que pegar o mais velho na casa do pai e consertar o vidro antes de cruzar a cidade para chegar em casa e preparar o jantar na hora exata.
Que loucura! O que a pressa não faz com a gente?! Quantos equívocos! Quantas falhas pela falta de atenção. Deixamos de perceber as coisas mais importantes da vida, as pessoas que mais amamos, porque somos escravos do relógio e não dimensionamos a profundidade dos nossos erros. Como fui inconseqüente tentando ser tão controlada, planejada e inflexível!
O cotidiano nos aprisiona em condicionamentos. Todos os dias fazemos os mesmos trajetos, repetimos as mesmas ações, obedecemos aos mesmos horários e não nos damos conta que nada se repete, nenhum instante é igual ao outro, apesar da sensação de que nada muda.
Depois deste episódio, deixei de andar no piloto-automático e passei a concentrar atenção no momento presente. Paciente e consciente, afrouxei minhas próprias regras para me permitir viver melhor.
"planejava o que faria, por quanto tempo e o que diria para sair cedo"
ResponderExcluirIsto já é tortura!
Quanta confusão causada por uma regra estabelecida por você e sem cabimento.
Ainda em fins de semana, passeios, festas, algumas pessoas agem como se estivesse em dia de semana, com aquela uma horinha cravada para almoçar e voltar ao escritório!
Uau! Sufocante esta história, Nádia! E, mesmo depois do ocorrido, você ainda tinha o pensamento lááá no jantar que não poderia atrasar em hipótese alguma!
Ainda bem que somos mutantes. Em se tratando de arianos, então, a metamorfose é minuto a minuto!
Como eu disse na postagem que vem depois desta (e que você diz aqui, ao final): é preciso, sim, se permitir!
Beijo! É sempre bom passar por aqui!
Que bom, Eli! É uma história real para ilustrar até onde vai a nossa exposição quando temos uma pressa absurda e desnecessária.
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